Maria Rita Kehl (2009), ao pensar a depressão, não supõe que há uma “ausência ou um buraco no lugar do Outro materno, e sim – o que é igualmente nocivo – um excesso de presença. O vazio depressivo não corresponde à marca negativa de uma mãe que não estava afetivamente ligada a seu bebê, e sim a pobreza do trabalho de representação e de expressão exigido da criança por essa mãe ansiosa, que pouco se permite demorar em atender às menores expressões de desconforto por parte da criança. O depressivo sofre dos efeitos da pressa do Outro.” (ps. 237-238)

Segundo a autora, o depressivo conhece a falta, mas não a falta em presença. Acompanhada de Winnicott, ela tenta definir esse modo da mãe estar com o bebê:

Que a mãe esteja presente, mas não ocupe todo o espaço; que se interesse pelas pequenas evidências da vida psíquica do bebê, mas não faça delas assunto todo seu. Acima de tudo, que a mãe, mesmo presente, possibilite à criança a experiência da duração temporal que, nessa fase da vida, traduz-se sempre como tempo de espera. Que a mãe possibilite a seu bebê o desenvolvimento da capacidade de esperar (pela satisfação) e de inventar o que fazer nesse tempo vazio. (Kehl, 2009, p. 238)

Winnicott (1971), ao descrever o início teórico da experiência de ilusão propõe que, mesmo aí, há o tempo de espera. Ilusão não significa imediatismo.

(…) em algum ponto teórico, no começo do desenvolvimento de todo o indivíduo humano, um bebê, em determinado ambiente proporcionado pela mãe, é capaz de conceber a ideia de algo que atenderia a crescente necessidade que se origina da tensão instintual. Não se pode dizer que o bebê saiba, de saída, o que deve ser criado. (p.27)

Aqui a necessidade é crescente. A fome aumenta. O tempo passa. O bebê espera. Durante a espera o bebê cria mesmo sem saber o que deve ser criado. Winnicott (1971) continua:

Nesse ponto do tempo a mãe se apresenta. De maneira comum ela dá o seio e seu impulso potencial de alimentar. A adaptação da mãe às necessidades do bebê, quando suficientemente boa, dá a este a ilusão de que existe uma realidade externa que corresponde à sua própria capacidade de criar. (p.27)

Nesse ponto ela se apresenta. Ela estava lá reservada, recolhida, silenciosa. Dá o seio e o impulso de alimentar. A mãe também tem uma demanda e se satisfaz ao satisfazer o bebê.

Segundo Maria Rita Kehl (2009): “ (…) toda mãe ‘suficientemente boa’ satisfaz-se ao satisfazer o seu bebê. A criança que mama satisfaz-se do leite, mas também por atender a demanda materna de que ela se alimente.” (p. 241) Ao contrário desta situação, “a questão que se coloca para o bebê, quando submetido ao excesso de ofertas de satisfação vindas de uma mãe que se pretende excessivamente boa, é que ele se vê diante de uma demanda igualmente excessiva, que não tem recursos para satisfazer.” (p.241)

A mãe suficientemente boa vive o intervalo. Nesse intervalo o impulso de alimentar parece ser crescente nela. Lembremo-nos do peito, cada vez mais cheio de leite, na tensão que se instala e no alívio de quando ele começa ser esvaziado. Ela satisfaz seu impulso ao satisfazer o impulso do bebê. Desde o início a mãe suficientemente boa é alguém que é separada, que tem impulsos próprios.

Podemos fazer um paralelo entre a adaptação da mãe às necessidades do bebê e a adaptação do analista às necessidades do paciente. O seio que vai enchendo de leite e o analista que vai tendo ideias, formando sentidos e fazendo conexões. Winnicott nos fala da recompensa que pode vir após a retenção das interpretações quando o próprio paciente chega a compreensão criativamente. É interessante notar que ele não deixa de lado a recompensa do analista com seu trabalho, mas pede que os analistas tenham paciência e que possam fruir dessa alegria do paciente. Há uma generosidade implícita em poder deixar o paciente ser o criador de seu processo. Aqui, Winnicott (1971) nos dá mostras de seu processo de formação como analista, do processo de constituição de um espaço de reserva.

Se eu puder fornecer uma descrição correta de uma sessão, o leitor observará que durante longos períodos retenho interpretações e permaneço frequentemente em silêncio. Essa disciplina estrita tem dado bons resultados sempre. As anotações que tomei me foram de grande auxílio num caso com que entro em contato apenas uma vez por semana; descobri que, neste caso, tomar notas não prejudica o trabalho. Também com frequência alivio a mente, anotando interpretações que, na realidade, retenho para mim. Minha recompensa por essa retenção surge quando a própria paciente faz a interpretação, uma hora ou duas depois, talvez. (p.83)

Mais adiante, ele continua:

(…) só recentemente me tornei capaz de esperar; e esperar, ainda, pela evolução natural da transferência que surge da confiança crescente do paciente na técnica e no cenário psicanalítico, e evitar romper essa processo natural, pela produção de interpretações. (…) Estarrece-me pensar quanta mudança profunda impedi, ou retardei, em pacientes de certa categoria de classificação pela minha necessidade pessoal de interpretar. Se pudermos esperar, o paciente chegará à compreensão criativamente, e com imensa alegria; hoje posso fruir mais prazer nessa alegria do que costumava com o sentimento de ter sido arguto. (ps.121-122)

Acho que aqui podemos retomar a discussão sobre o momento de ilusão do qual nos falava Winnicott (1971). Na ilusão há tempo de espera, há, portanto, separação. Mesmo quando a mãe está vivendo a preocupação materna primária, ela tem impulsos próprios, é separada, sente satisfação. A ilusão não é pura presença. No tempo de espera o bebê concebe “a ideia de algo que atenderia a crescente necessidade. (…) Não se pode dizer que o bebê saiba, de saída, o que deve ser criado.” (p. 27) Mesmo aí há a presença-ausência do objeto. Para que a ilusão se constitua a presença-ausência já inscreve a passagem do tempo na relação da mãe com o bebê. Mesmo juntos eles são já separados. Daí a ideia do paradoxo, tão cara à Winnicott.

 

Bibliografia

Kehl, Maria Rita. O tempo e o cão: a atualidade das depressões. São Paulo: Boitempo, 2009.

Winnicott, D.W.. O brincar e a Realidade. Rio de Janeiro: Imago, 1971.

2015-04-29 artigos 6